25 de ago. de 2010

Pelo amor ou pela dor que se APREENDE

Primeiro ensaio: A paixão
A intrigante questão sobre a paixão ser ou não um acontecimento comunicacional convida a viajar pelo universo do afeto, em busca de um querer entender melhor o processo de extremos emocionais pelo qual nos sujeitamos e até que ponto esessas sensações provocam situações-acontecimento que, de alguma maneira, nos transformam.
Se nós tomarmos, a priori, a fenomenologia, que admite que as coisas só existêm na medida em que nos voltamos para ela, ou, dito de outra forma, que o objeto só existe na medida em que existe para mim, no meu universo, conectado aos meus referenciais, este relativismo é ainda mais curioso no universo da paixão. Se estamos completamente abertos para a comunhão com o parceiro, se, em última instância, queremos desvendar os mistérios do outro, buscando, incessantemente conhecer suas manias, desejos, atitudes diante do mundo, nossos olhos e atenções estarão potencialmente mais voltados para as coisas que ao outro importa. Apaixonar-se, é, pois, ser um aprendiz de olhares que não eram teus, querer compreender outros espectros sobre a mesma coisa e até surpreender-se por conhecer ou concordar com coisas que antes pareciam inúteis, ou simplesmente não existiam para ti. A paixão é motivadora da percepção e engrenagem de acontecimentos outros.
Ora, a cada desvelamento surpreendente, a cada novidade(sinalização) que nos é apresentada, haja visto, principalmente, um rol de (pré)conceitos que havíamos concebido sobre o outro, são informações que vão provocando sensações de êxtase, a princípio, pela invasão do inesperado, depois, pelos novos conceitos que vão se formando em torno da experiência da partilha, e por, fim, pela falsa idéia de que foram conhecidos todos os segredos de quem e por quem se está apaixonado. A surpresa - quase uma graça da vida – é descobrir a leviandade inerente a nós todos sobre o que somos. Nunca somos. Nós estamos. E jamais finalizamos um dia da mesma forma que o iniciamos. Assim, são ilimitadas as possibilidades de se surpreender com o outro – pois este também é outro a cada dia. E também não há limite de quanto tempo isso pode durar. Pois algumas pessoas acham que, após algum tempo, a paixão se transforma em amor. Como se a paixão tivesse um caráter experimental e o amor definitivo. Como se a eclosão de sensações (tesão, euforia, ansiedade) fosse exclusividade da paixão, cabendo ao amor, a confiança necessária para segurança, fidelidade, dedicação e cumplicidade. E que no amor, os valores e a forma de contemplação da vida a pois ganhasse um significado de permanente estado de graça. De admiração incondicional.
De fato, há um consenso de que a paixão tem um certo período de duração e que na medida em que as formas de Êxtase vão se acomodando, aquele espaço quase infinito de degustação de sensações vai sendo preenchido com um afeto permanente e sempre crescente; do tipo que faz com que nos sintamos aglutinados um ao outro. Do tipo que faz com que nos sintamos como uma parte do outro, um pouco pelo que dele apreendemos e pelo que de nós ele colocou em si. O amor, aos poucos, desmantela o caráter de alter na relação, ao tempo em que o alter, progressivamente, vai se modificando e oferecendo surpresas sutis.
Essa alegoria do amor é interessante, porque justifica, por certa parte, o momento em que o tesão parece ser o elemento apenas da paixão, uma vez que , a novidade, o choque, o diferente que faz com que a pele seja mediadora do imaginário, do obscuro, do que ainda pode ser descoberto. O corpo é mediador de sensações e ter o corpo do outro soldado em si fere a magnitude do estranhamento. E tocar o outro já não é tão diferente que tocar a si mesmo. O amor, nesse aspecto, mata a pele e ganha sua ressurreição na completude da alma, que também parece ter se tornado uma só.
Estar apaixonado pode significar querer ser alguém melhor. E na onda de tentar ser uma dose a mais em cada fração que importa ao outro, vai também se redescobrindo e experimentando aquelas frações de eu que fazem-se surpreendentes para o próprio eu. E esse sabor e prazer de ir conhecendo seus potencias, da lasca inusitada que talvez nunca seria descoberta, não fosse pela paixão, da ardência (e estranhamento) por conhecer as muitas faces do eu, e, principalmente, pela percepção inédita de que há muito mais em mim no eu do que eu próprio suspeitava, é o que faz da paixão um acontecimento único a cada experiência. Uma experiência de comunicação que conduz, que rompe, que extrapola, que desordena e rearranja, que delira e faz delirar; que movimenta todos os sentidos e faz com que o corpo seja o maior mediador do eu com o mundo. Quem não reconhece alguém apaixonado?

Texto produzido coletivamente a partir das aulas do professor Ciro Marcondes na Disciplina de pós-graduação da Faculdade de Jornalismo. - ECA - USP: Koinós, Metáporos e Alice. Por um quase-método para estudos de comunicação na era tecnológica - 2 semestre 2008

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